sábado, 4 de outubro de 2008

Noivadas para fingir

'A primeira carta provavelmente deve tê-lo assustado. Desculpe-me, eu simplesmente estava influenciada pelos cigarros e as exatas três garrafas de vinho que agoram enfeitam minha parede. Pois é, ganhei outra mania irritante, enfeitar meu quarto com garrafas de bebida vazias. Confesso ser algo bem interessante.
Enquanto escrevo o sol entra pela janela, tímido e confortável, o dia ainda está nascendo mas eu não dormi. Minhas olheiras estão cada vez mais profundas mas eu acho que isso até me dá um ar sexy (eu e minhas loucuras).
Como previsto, a sua carta veio cheia de interrogações e exclamações. Confesso que consegui ouvir os seus gritos enquanto lia. Peço desculpas mais uma vez. Sei, passaram-se alguns anos e não é nada legal eu dar notícias estando na pior. Mas nos últimos quatro anos eu esqueci quem eu era, se nos últimos quatro anos eu estava irreconhecível, imagine agora. Talvez eu não tenha mais a aparência de um ser humano. Provavelmente estou exagerando, provavelmente a minha pele esteja mais saudável do que nunca, porém, é isto que eu vejo no espelho. As vezes eu fico parada, olhando nos meus olhos e me perguntando quem é aquela moça lá. Tão vazia, tão horrivelmente destruída.
Estou desesperando-o com tantas descrições ruins de minha rotina, eu sei, mas como disse anteriormente, até que eu coloque para fora tudo isso, pode demorar e muito. Então por favor não brigue comigo, não dessa vez. Não sou mais aquela menina bobinha e chorona, mas ainda tenho medo dos seus gritos e odeio ver o seu olhar de reprovação em mim.
O sol aos poucos vai aquecendo e finalmente descobri o porquê de escrever tão pouco em tanto tempo. Do lado da escrivaninha tem uma janela, e de vez em quando em me perco observando-a. Imagino como seria diferente se as pessoas soubessem, como elas iriam me olhar e se ainda gostariam de ser minhas amigas. De qualquer jeito, na sociedade atual, elas provavelmente não iriam querer se aproximar.
Estranho como são. Essas pessoas na rua me lembram formigas. Mas não são como elas, formigas precisam encostar-se umas nas outras para receber uma mensagem, ou simplesmente feromônio. Nesse formigueiro cinzento elas sequer se tocam. Mas ainda sim parecem formigas. Porque estão em todos os cantos e na constante espera de algo para carregar e comer.
Eu sei, a metáfora foi completamente estranha. Mas é que justo hoje eu me sinto como uma migalha, uma pequena migalha sendo caçada por várias formigas. É isso ou a ressaca.
Sua irritação deve estar aumentando à medida que eu mudo o assunto, mas se você bem lembra... serei sempre assim.
Por hoje é só, minha cabeça dói e também meus pensamentos.'

Com uma simples ressaca,
Amélia

Nenhum comentário: