Abriu o caderno. Seus lábios ficaram entreabertos por alguns segundos. Estava tudo lá, todas as mentiras, segredos, tudo o que sua mente havia guardado por longos duros anos. A sua essência, ou talvez a parte mais fétida dela, estava descrita em pequenas e cortantes palavras. Levantou o olhar, o sorriso da pessoa que o entregara era nauseante. Tão nauseante que o fez fechar o livro com força e raiva e também fez apagar o sorriso nos lábios do outro.
'Não gostou?'
'É horrível, nojento, assustador... é, é...'
'É você. Esse é o problema. Seus espelhos estão manchados e a sua vida reduzida a um buscar de prazeres mundanos e bacanais medíocres. De repente não há nada bom e todo o resto se resume a isso. Essa é a sua essência, e não é assim porque você é de fato uma pessoa ruim. Essa essência é sua porque você se resumiu a ela'
Antônito. Lágrimas escorriam por seu rosto. Era cruel demais, poderiam xingá-lo, batê-lo, humilhá-lo. Mas nada iria doer mais do que o vislumbre de sua própria essência.
Saiu pelos cantos, agarrando-se a memórias, tentando reparar seus erros, atenuar seus defeitos. Aquela era a sua essência e já era tão sua que em pouco tempo, pouco, pouco tempo, já voltara aos antigos costumes.
Porque a nossa essência é nossa, sempre o será. E quando notarmos sua realidade será quando menos poderemos mudá-la.
A uma taça feita de um crânio humano | | | |
Escrito por Lord Byron |
A Uma Taça Feita de Um Crânio Humano Não recues! De mim não foi-se o espírito... Em mim verás - pobre caveira fria - Único crânio que, ao invés dos vivos, Só derrama alegria. Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte Arrancaram da terra os ossos meus. Não me insultes! empina-me!... que a larva Tem beijos mais sombrios do que os teus. Mais val guardar o sumo da parreira Do que ao verme do chão ser pasto vil; - Taça - levar dos Deuses a bebida, Que o pasto do réptil. Que este vaso, onde o espírito brilhava, Vá nos outros o espírito acender. Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro ...Podeis de vinho o encher! Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça, Quando tu e os teus fordes nos fossos, Pode do abraço te livrar da terra, E ébria folgando profanar teus ossos. E por que não? Se no correr da vida Tanto mal, tanta dor aí repousa? É bom fugindo à podridão do lodo Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!... Lord Byron (tradução de Castro Alves)
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»E não, esse poema não é a essência.