domingo, 10 de agosto de 2008

Noivadas para fingir

"Quando penso nos dias e noites passados apenas uma pergunta se faz presente: Por quê?
Agora, enquanto escrevo, chove lá fora. Uma chuva forte, assustadora. Olhando lá fora vejo o quão parecida com a chuva estou. As lágrimas rolam pelo meu rosto talvez com a mesma velocidade e força, provavelmente não conseguirei terminar a carta. Mas não será por falta de palavras ou vontade de escrever, e sim porque o seu começo estará ilegível.
Me levanto, olho lá fora, acendo um cigarro. Mais um, mais uma carteira e talvez mais um ano de vida se vai, mas eu não me importo. Já não importa quanto tempo passarei aqui e a chuva lá fora é testemunha disso.
Faz tempo desde a última vez em que nos vimos. Você costumava ser sorridente naquela época, ainda o é? Eu não. Provavelmente quando nos reencontrarmos você não me reconhecerá. Cortei meus cabelos, sim consegui coragem suficiente, agora eles estão curtos, tão curtos que já não parecem cabelos e sim pequenos pêlos em minha cabeça. Voltei a fumar, foi burrice eu sei, mas dada a situação, não pude evitar. Lembra como eu costumava amar os meus quadros? Joguei-os fora, um por um e sem me arrepender. Larguei nos caminhos de minha vida os sonhos um dia construídos com tanto amor. Não, não estou arrependida, simplesmente viver já não faz mais sentido.
Eu gostaria de escrever até cansar, até dormir, até que todas as palavras presas em mim fossem embora mas simplesmente não consigo. É duro demais relembrar tudo, mesmo escrevendo a dor é forte, tão forte como se a cena estivesse se passando agora mesmo, como um filme horrível.
A chuva aumentou e é quase como se ela forçasse a janela para entrar, talvez ela queira partilhar sua dor comigo ou apenas esteja penalizada pelo meu estado. Um trovão inesperado me faz saltar da cadeira e borrar mais ainda esta carta. Trovões me lembram gritos abafados, gritos de vazio. Mas não falemos de trovões e de tristezas. Como anda a sua família? Vi outro dia uma foto de sua filha no jornal, ela estava linda como sempre, aposto que será uma grande modelo um dia.
Imagino se você ainda corre todas as manhãs. Lembro de nunca conseguir te acompanhar e lembro de como você culpava meus cigarros por minha constante falta de fôlego. Quando parei consegui correr, e só aí entendi as razões de tantas broncas...
Mas atualmente eu sequer consigo subir escadas, elas me cansam apenas com um olhar. Você provavelmente deve estar rangendo os dentes de tanta raiva, acalme-se... quando eu terminar o meu relato você provavelmente entenderá o porquê de tudo isso e quem sabe até apareça aqui para me dar um abraço e dizer que tudo vai ficar bem.
Infelizmente, dessa vez não acreditarei em você. Porque nada, nada mais, vai ficar bem.
Vou parar por aqui, minha mão dói muito e a baixa de temperatura me faz tossir. Percebi agora o quão tarde está e foi só aí que me dei conta. Escrevi tão pouco para tanto tempo...
Espero logo receber a sua resposta, provavelmente cheia de interrogações e exclamações, peço por favor que não se exalte e nem invente de vir aqui. Com o tempo saberás de toda a minha história, ou pelo menos a parte da história em que não participas, mas enquanto isso apenas me leia. Tudo o que preciso é de alguém que leia estas palavras, vindas de tão longe em mim.

Com dor mas ainda com beijos,
Amélia"





P.S.: Digamos que isso seja apenas um começo, com continuações. O título foi inspirado por um poema que será postado no decorrer da história. Espero algo de bom disso tudo.

P.S.: Feliz dia dos pais para todos os papais!


Um comentário:

Raphael Piltz disse...

Ola.
Para comentar este post vou fazê-lo de baixo pra cima (de diante a frente ^^).
 Obrigado! Porque sou um jovem pai e este foi meu primeiro “dias dos pais”, que por sinal foi muito especial.
 Este inicio fui bem profundo, toca coisas que todos temos como amores, lembranças, perdas, distancia... Em fim, este poema deve ser muito bom.
 Sabe quando se olha um quadro confuso, mas você para na sua frente com o objetivo de entendê-lo, e após certo tempo contemplando, você acha várias definições para o que vê e ao concluir do que realmente se trata, fica sem palavras. Assim me sinto.