sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Não deixo você brincar


Então é assim. Véspera de ano novo, uma praça, pessoas reunidas, clima frio. As pessoas se sentam para esperar o show, conversam, bebem, comem. E entre essas inúmeras pessoas existe uma menina. Diferente das outras crianças, ela está sentada de braços cruzados e com um olhar triste. Vestida de branco, com os cabelos presos em um coque ela mais parece um anjinho. Para completar ela tem lindos olhos vivos, cabelos castanhos escuros e a pele clara.

Mas a questão é: véspera de ano novo e ela tão triste assim. De bracinhos cruzados ela observa as crianças brincando em uma área central, onde ficaria o público para o show. Ela observa, observa e mais uma vez pede para a mãe:'Deixa eu brincar?' "Não!' 'Mas brincar é bom...' 'Já disse que não!'. Então a menininha fica aflita, triste, prestes a chorar. Do lado dela, não muito distante está uma outra menina, mais crescida porém. Ela não parecia estar lá tão feliz, mas aquilo tudo teria sido fruto de um ano cheio de coisas não muito felizes. Ela estava com um vestido verde, meia calça preta e tinha os cabelos presos com uma presilha. Observava, tão anguistada quanto, a menininha pedindo incasavelmente a permissão da mãe para ir brincar. Cada vez essa permissão lhe era negada com mais rudeza e ambos corações se angustiavam. O da menina por ver suas colegas brincarem, por já ter chamado uma delas e a mesma não querer ir. O da menina grande pelo simples fato de ver a semelhança entre duas meninas tão distintas. Aí vinha uma vontade de falar com a mãe, que diga-se de passagem mais parecia a bruxa má. Dizer que aquele reveillon presa ficaria para sempre na memória dela e que mais tarde ela iria descontar aquilo em outro lugar, para ter a alegria de brincar como não brincou. Dizer que menina presa não dá certo não, que é que nem areia em mão cerrada, acha lugar para escapolir. E quando escapole não volta mais, ou volta machucada, magoada. Dizer que a prisão de hoje pode ser da mãe mas a de amanhã pode ser por um marido que prometeu liberade e depois tirou. Dizer do primeiro beijo escondido e da perca da virgindade doída que marcavam tanto essa falta de liberdade, essa vontade de sentir o vento lá fora e a vontade de quebrar as barreiras.

A menina então foi brincar e a menina grande se sentiu feliz, finalmente ambas poderiam descansar. Mas logo a bruxa má chamou, chamou várias vezes e de forma tão rude. Quando a menininha chegou além de uma bronca tomou um tapa. Céus, pobre garotinha. Quando for maior vai tomar tapas maiores, ter dores maiores e mágoas piores. E a angústia ia crescendo e o ano escorrendo.

Foi quando ela não viu mais a garotinha ao seu redor. Procurou e não viu, imaginou-a triste tirando sua roupinha de reveillon e indo dormir sem nem ver os fogos, tão bonitos os fogos da passagem, coloridos e barulhentos que só eles...

E foi aí que a menina grande entendeu. Aquela menina que um dia fora já não mais voltaria, não adiantava lembrar, não adiantava querer salvar outras meninas. Quem sabe se aquela fosse salva ali, naquele momento, talvez ela não desse tanto valor e não fosse uma boa menina. Era preciso torna-se borboleta e para isso o casulo tem que ficar lá naquela folha distante. Não adianta voltar e tentar caber nele, a forma muda, muda mesmo e aí não tem jeito mais. O jeito é aprender com aquela menininha mas só de vez em quando. Deixá-la no passado é necessário, é preciso voar e sentir a liberdade que chega. Então o ano chegou e veio uma vontade louca de chorar, mas os fogos foram bonitos... e a meninha que não viu... haverá outros reveillons, outras chances, outras barreiras.

E que ambas menininhas, a grande e a pequena, tenham uma existência melhor. As barreiras serão mais difíceis mas talvez haja mais força.

E a menininha grande deve enfim virar mulher.


Olá, 2010.

Um comentário:

Carlos Eduardo Novaes disse...

Nossa !
Texto otimo, nao posso acreditar que um dia voce teve a coragem de ler um TEXTO MEU e ainda deixar comentario no meu blog ( www.soeunaotinha.blogspot.com )
Mesmo isso tendo acontecido ha muuuuuuuuuito tempo! De qq forma, valeu pela a"audiencia", mesmo atrasado!