domingo, 22 de fevereiro de 2009

Carta de Aleksandra a Nicolau, 22 de fevereiro de 1917


"N. 644 Ts. Ts, 22 de fevereiro de 1917(1)



Meu muitíssimo precioso, com angústia e dor profunda, deixei você ir - sozinho, sem a terna, carinhosa, ensolarada companhia do Bebê (2)! E em tempos tão difíceis como este pelo qual estamos passando agora. Estarmos separados torna tudo tão mais difícil de suportar - nenhuma possibilidade de lhe fazer uma suave carícia quando pareces cansado, atormentado. Verdadeiramente, Deus te enviou uma cruz terrivelmente pesada para carregar e eu gostaria tanto de ajudar-te a carregar o peso. Tu és bravo e paciente, mas minha alma sente e sofre contigo muito mais do que posso dizer. Nada posso fazer, senão rezar e rezar. Nosso querido amigo (3) assim o faz no além por ti - lá ele está mais perto de nós -, embora desejemos lhe ouvir a voz de consolo e estímulo. - Deus ajudará, estou convencida, e enviará ainda a grande recompensa por tudo o que suportas - mas quanto tempo esperar ainda! Parece-me que embora as coisas estivessem tomando um rumo melhor - Amor, sê firme, mostra a mão do senhor, é disso que os Russos precisam. Amor e bondade nunca deixastes de demonstrar - agora deixa que, às vezes, sintam teu punho. Eles mesmo pedem isso - quantos me disseram - "queremos sentir o chicote" - é estranho, mas tal é a natureza escrava [eslava], grande firmeza, dureza mesmo - e cálido amor. Desde que, agora, começaram a te "sentir" e Kalinin (4), eles começaram a se aquietar. Eles precisam aprender a temer-te - o amor não é suficiente. Um filho que adoro o pai precisa ainda temer irritá-lo, desagradá-lo ou lhe desobedecer - temos que usar as rédeas, soltá-las e recolhê-las, deixar sempre que a mão do senhor seja sentida; em seguida, eles darão também muito mais valor à bondade - a suavidade apenas eles não compreendem.- Os corações russos são estranhos e não ternos ou suscetíveis nas classes mais altas, estranho dizer isso. Eles precisam de tratamento decidido, especialmente agora. - Sinto-me triste porque não pudemos ficar a sós em nosso último almoço, mas eles são teus, que querem também estar contigo. A pobre pequena Xenia (5), com tais filhos e a filha casada naquela família perversa - e com aquele marido tão falso (6) - sinto uma profunda pena dela. - Há tanta dor e sofrimento em todo o mundo - uma única dor em nosso coração, onde rói incessantemente - essa ânsia tão grande por descanso e paz, apenas para conseguir um pouco de força para continuar a combater e lutar ao longo desta estrada de espinhos em direção à meta dourada.

Eu espero que não tenhas dificuldades ou aborrecimentos com Alekseiev (7) e que possas voltar logo - e não é por pura saudade egoísta que falo, mas porque vejo bem demais como as "massas ruidosas" se comportam quanto estás por perto - elas te temem e devem temer-te ainda mais, de modo que, onde quer que estejas, elas sintam o mesmo tremor. E quanto aos ministros, tu és uma força tão grande e guia - volta logo - entenda, não imploro por mim e pelo bebê mesmo porque isso tu sempre sabes. Compreendo que nos casos em que o dever chama - e isso acontece agora mais aqui do que aí. De modo que, ponha simplesmente as coisas em movimento e esteja em casa em dez dias - até que as coisas sejam realmente o que devem ser. Tua mulherzinha permanece aqui guardando a retaguarda, embora pouco possa fazer, mas os bons sabem que ela é teu inabalável apoio. - Meus olhos doem de tanto chorar - da estação irei diretamente para Znamenia (8), mesmo que eu tenha estado lá contigo antes - para conseguir calma e força e rezar por ti, meu Anjo - ah, Deus, como te amo! - Cada vez mais, profundo como o mar, insodável em ternura. Dorme calmo, não tussas - que a mudança de ar possa fazer-te bem novamente. Que os Santos Anjos te guardem, que Cristo esteja próximo de ti e a doce Virgem nunca te deixe - nosso Amigo nos deixou por ela - Znamenia. Eu te abençôo +(9), aperto-te fortemente em meus braços e descanso tua cabeça cansada em meu peito. Ah, a solidão das próximas noites - Sem Sunny ao teu lado - e tampouco Sunshine [ Aleksei]. Todo nosso amor, ardente e carinhoso te envolve, por Deus Todo-Poderoso. Sente meus braços te envolvendo, sente meus lábios ternamente colados aos teus - sempre juntos, nunca sozinhos. - Até breve, Doce Amado, volta logo - para tua


Sunny

+

Por favor, procura a "Virgem" logo que puderes - rezei tanto por ti lá. "




Notas:



  1. Aleksandra numerava as cartas que enviava a Nicolau. Tsarkoe Tselo (hoje, Puchkin) situa-se a 24 km de Petrogrado (que era conhecida como São Petersburgo até a Primeira Guerra Mundial), a capital da Rússia Imperial. Antes da Revolução de Fevereiro, o Palácio Aleksandrovski, em Tsarkoe Tselo, era a principal residência de Nicolau e família.


  2. Alekesei Nikolaevich, o tsarevich ( ou caesarevich, como era então chamado), filho de Nicolau e Aleksandra, era o herdeiro do trono. Nasceu em 1904. Em 1915 e 1916, passou muitos meses no quartel-general, em companhia do pai.


  3. Grigori Iefimovich Rasputin, o vidente da corte, assasinado por aristocratas em dezembro de 1916


  4. Aleksandr Dmitrievich Protopopov (1866-1918), conhecido em Ts. Ts. como general Kalinin. Protopopov era mebro do Partido Outubrista, deputado da III Duma do Estado, e vice-presidente da IV Duma do Estado. No dia 18 de setembro de 1916, com a ajuda de Rasputin, foi nomeado ministro do Interior. Era um dos conselheiros em quem Nicolau e Aleksandra depositavam maior confiança.


  5. Kseni Aleksandrovna, grã-duquesa, irmã mais velha de Nicolau.


  6. Em 1914, a filha de Ksenia Aleksandrovna, Irina, casou com o príncipe Feliks Iusupov, que pariticpu em 1916, do asassinato de Rasputin - e daí a execração de Aleksandra.


  7. Mikhail Vassilievich Alekseiev, general-ajudante. De agosto de 1915 a março de 1917, foi o chefe do Estado-Maior do comandante-chefe do Exército russo.


  8. A igreja Znamenski, localizada perto do liceu, em Ts. Ts., foi construída, em 1747, para abrigar o ícone de Nossa Senhora do Sinal (Ikona Znameniia Bozh'ei Materi). Aleksandra sentia uma veneração especial pela imagem da Virgem, com Cristo no ventre, e que era também a guardiã da Casa dos Romanov e famosa por suas curas milagrosas.


  9. Aleksandra freqüentemente desenhava o sinal da cruz em suas cartas.

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